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Artigo: O Médico Pós-Pandemia e o compromisso com os Protocolos de Segurança do Paciente
É impossível escrever sobre a pandemia da COVID-19 e não se transportar a aqueles momentos de incertezas, momentos que nada sabíamos sobre a doença.
Momentos que lutávamos (e temíamos) e o quanto ansiávamos por respostas: qual a medicação usar, a dose, seu período, em qual momento da doença e para quais pacientes. Pode parecer exagerada essa colocação, mas os médicos são acostumados a tomarem decisões baseadas em literatura e com graus e níveis de evidências, mas naquele momento, não tínhamos nada!
Naquele momento, tivemos de aprender até como retirar os aventais e máscaras que nos protegiam.
Trago essa reflexão porque, em algum grau, sedentos por salvar nossos pacientes, utilizamos ou recusamos soluções, como exemplo a cloroquina, o “kit covid”, modos ventilatórios, pronação e supinação de pacientes com o mesmo grau de evidência, ou seja: nenhuma ou quase nenhuma. Foi necessário o decorrer dos meses e, infelizmente, dos óbitos e das sequelas, para que pudéssemos retornar aos poucos, mas eu diria de forma sustentada, aos trilhos da ciência e da prática médica baseada em evidências científicas.
De todas as críticas que os métodos científicos possam suscitar, mas saliento que, a meu ver, somente quem os utiliza deveriam fazê-las, a ciência é, sim, responsável por vários aspectos do progresso e, infelizmente, também por várias mazelas para a humanidade. Em um primeiro momento, foram as observações epidemiológicas, portanto científicas, sobre a forma de transmissão e contágio que trouxeram luz à batalha e os “lockdowns” diminuíram a avalanche de casos.
Em seguida, ainda durante a primeira onda da COVID-19, passamos a ter pesquisas que começaram a revelar as fases virais e inflamatórias e aspectos clínicos relacionados aos danos pulmonares agudos, sinais precoces de piora em que deveríamos agir mais ou menos rigorosamente e dados para melhor triagem de gravidade dos pacientes. Em um momento mais tardio, esquemas com imunobiológicos e drogas antivirais ganharam espaço e, por último, as vacinas chegaram e mudaram à forma de relacionarmos com a doença e, por fim, nos trouxe a perspectiva que o fim da pandemia se aproximava. Mais recentemente estamos diante de outros desafios, como as sequelas da COVID e o COVID tardio, também já em estudo e desenvolvimento de estratégias terapêuticas.
Mas o que tem a ver a pandemia com segurança do paciente? A segurança do paciente tem a ver com tudo o que envolve assistência em saúde. Não há como conversarmos sobre assistência sem que esse tema traga, implícita ou explicitamente, as questões de segurança do paciente. Nele está embutido o princípio ético do “Primum non nocere” (antes de tudo, não fazer mal).
Por exemplo, utilizando o cenário da pandemia, até que ponto deveríamos prescrever uma ou outra medicação e até que ponto não deveríamos? Trata-se de um processo viral, na maioria dos casos, autolimitado. A resposta para isso, era seguir o caminho mais tecnicamente comprovado possível, extraído da experiência com outras patologias semelhantes. Além disso, deveríamos expor ao paciente a conduta que estávamos tomando e o nível de evidência do que fazíamos, deixando claro a sua opção de seguir ou não o proposto, se houvesse condição clínica para fazê-lo.
Naquele momento, há dois anos, não tínhamos muitas respostas, mas agora sabemos os caminhos que conferem maior chance de uma evolução mais favorável, com menor chance de sequelas ou desfecho mais grave. Isso, graças às evidências acumuladas ao longo dos últimos anos de enfrentamento.
Também graças ao conhecimento acumulado, protocolos de segurança, de escalonamento e desescalonamento de medidas de proteção foram e estão sendo utilizadas mundo afora com sucesso, mantendo sob controle a ameaça de novos surtos.
O cenário que vivemos e, porque não dizermos, superamos, apesar dos milhões de mortos, nos ensinou o quão importante e poderoso é o conhecimento técnico bem utilizado em prol do que fazemos de melhor: que é cuidar de vidas, inclusive das nossas. Saímos do momento recente de nossas vidas com o dever de honrar a memória dos que partiram, e ainda partem, por conta de complicações da COVID-19, por meio da adoção apropriada de medidas técnicas baseadas em evidências, de protocolos validados.
É importantíssimo destacar o reconhecimento do poder da informação correta, nas mãos corretas, de médicos, de toda a equipe assistencial, dos pacientes e, sobretudo, da população em geral.
Nós médicos chegamos até aqui e devemos trazer à luz as boas práticas da medicina. Juntos, os profissionais da saúde e as pessoas por eles cuidadas, são mais fortes em alcançar melhores resultados do que quando tentamos fazer de forma individual. Aprendemos que informar é educar, também que a informação alia mais do que afasta e que o paciente deve ser estimulado a ser cada vez mais agente ativo do benefício que espera.
** Enilson Moraes
Médico Hospitalista e membro do corpo diretivo da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH)
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