Medicina Hospitalar: resultados impactantes são alavanca para a gestão hospitalar
A SOBRAMH entrevistou o Dr. Claudio Manoel Soares Nunes, médico cardiologista com cargo de chefia de serviço no Hospital da Lagoa (Rio de Janeiro/RJ). Atua como avaliador do Instituto Qualisa de Gestão (IQG/SP) nos níveis nacional e internacional. É consultor em Modelagem de Gestão Assistencial no Complexo Hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS, dentre outras empresas de consultoria. Formação MBA em Gestão de Serviços de Saúde pelo Instituto COPPEAD na Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ. Acompanhe abaixo:
SOBRAMH: Desde quando que se aproximou da Medicina Hospitalar (MH) e como foi essa aproximação?
Claudio Nunes: A minha aproximação iniciou em 2011 quando assumi a direção assistencial do Hospital Pompeia, como consultor, com a função especifica de trazer os médicos para o alinhamento com o planejamento estratégico do hospital e também por questões de acreditação hospitalar, já que era avaliador nacional e internacional do IQG, então, permaneci um ano no hospital, sempre vendo uma resistência muito grande à mudança.
Assim, comecei a estudar e a me aprofundar sobre o que era a MH e coloquei, logo que entrei, uma proposta que naturalmente foi rejeitada. Para vencermos a resistência, lançamos outra proposta que era uma célula de MH no hospital, então, montamos uma equipe, pegamos 30 leitos do hospital e medimos os indicadores a partir dos moldes da MH. Em 3 meses os resultados eram tão impactantes que, efetivamente, o diretor executivo e o diretor financeiro se convenceram e conseguimos implantar a MH. Com isso, o serviço foi crescendo e começamos o co-manejo com a cirurgia ortopédica. Avançou bastante, apesar de resistências regionais, de interesses de operadoras e cooperativas e do corpo clinico, e conseguimos que metade do total de leitos fosse da MH (cerca de 150 leitos). Oportunidade única de aprendizado contínuo e resistente.
Na visão de gestor, existem variáveis da MH, como eficácia, eficiência, efetividade, controle de desperdícios e uma série de variáveis na área de administração em que a MH alinhou, através do time de resposta rápida e da governança clínica, a fim de ter e a MH como alavanca para a gestão.
SOBRAMH: Qual a visão acerca da implementação da MH na assistência ao paciente hospitalizado nos hospitais aonde atuou e atua?
Claudio Nunes: Temos que dividir o paciente hospitalizado em paciente SUS e paciente não SUS. Os pacientes SUS, na maioria dos hospitais, por exemplo aqui no RS, em geral são vistos pelo residente e, apesar de estarem vinculados a algum médico de corpo clinico, é o residente que dá a assistência e, com isso, acaba havendo um enorme desperdício de tempo na internação, tomadas de decisão que não são as mais recomendadas, não são as melhores práticas, então, os pacientes começam a sofrer as mazelas da experiência negativa dentro do hospital.
Começam a ter os riscos clínicos muito exuberantes como ulcera de pressão, trombose venosa, infeção hospitalar -grande situação atual- e uma série de outros riscos que acabam não gerenciados e acabam gerando um tempo médio de permanência muito prolongado. Além disso, os custos no SUS já são deficitários, o retorno é nenhum, o saldo é negativo e se amplia exponencialmente, então, o que tem de desperdício nesse modelo de gestão que, em geral, é o modelo no SUS, inviabiliza qualquer resultado assistencial de boa qualidade. Com isso, a perspectiva de usar médicos bem formados, dedicando-se a este tipo de atendimento, reduz drasticamente tempo de internação hospitalar e reduz esses riscos, assim, os resultados econômico-financeiros e contábeis ficam dentro de uma realidade ideal.
Portanto, a implantação da MH no SUS é boa para um hospital universitário, que tem ensino, mas é fundamentalmente boa para o doente/paciente que, em geral, está abandonado. Por exemplo, em algumas situações, de pacientes sob ventilação mecânica fora da UTI, que, sem assistência nenhuma, têm apenas a máquina e, então, a perspectiva desses pacientes é o óbito e na maioria das vezes o óbito evitável. Com a MH você passa a ter um acompanhamento não só médico, como também multiprofissional e esse paciente acaba tendo um critério básico na qualidade que é a equidade da assistência, dessa forma, não se cria assimetrias, uma vez que o padrão convencional é assimétrico. Experiências no Hospital Pompeia, em geral, problemas simples que já eram rotina do serviço, por exemplo, um paciente ficava internado uma semana, já de alta, e os riscos nessa uma semana prolongavam, por vezes, a internação do paciente.
O modelo de MH vem ao encontro de uma questão que é a eficiência -fazer mais com menos dinheiro- e a eficácia -metas baseadas na medicina baseada em evidencias, protocolos-, trabalhando dentro desta lógica com a liderança do médico dentro do plano terapêutico, promovendo a multidisciplinaridade, e, assim, as diversas categorias aprendem com este tipo de modelo e a equipe vira time. A MH vem acabar com esses silos que tem dentro do hospital, sendo o grande impacto da especialidade.
SOBRAMH: Quais as dificuldades encontradas para implementar a MH?
Claudio Nunes: A dificuldade principal, como é um modelo de fragmentação da assistência com uma série de privilégios, é quebrar o modelo assistencial. Têm-se que colocar de lado as lápides do cemitério das ideias com as máximas “se fosse bom já teria sido feito”, “é muita novidade para nós”, uma vez que foge à objetividade e ao resultado final.
Portando, o mais desafiador é passar bem o conceito e demonstrar que não tem como negociar, no final das contas, em reduzir a infecção a um nível aceitável dentro do hospital. Por exemplo, infecção de cateter venoso profundo é um indicador de qualidade imediato, pacientes no corredor dos hospitais, em geral, são desperdícios acumulados. Para isso, é preciso usar preceitos da medicina hospitalar, concentrando equipe, focalizando recursos e grupos com relatórios diários. A MH tem muita dificuldade porque há muita resistência à mudança em nosso cenário atual, por outro lado, existem várias oportunidades de demonstrar que é o caminho ideal.
SOBRAMH: Como secretário geral da SOBRAMH, que barreiras enxerga para a expansão da MH no RJ e no Brasil?
Claudio Nunes: No RJ é a questão conceitual, nós estamos trabalhando essas discussões com diversos grupos que dizem ter MH mas que efetivamente não exercem o conceito em sua plenitude. Como secretário, a esperança é de nacionalizar a MH, existem, hoje, territórios imensos de má pratica, de privilégios que não se admitem mais, o isolacionismo do médico, modelos que vem do início do século 20, têm que mudar.
Da mesma forma, está se discutindo o modelo de currículo nas faculdades de medicina, mudando a lógica e incorporando, desde o início da formação, questões de segurança do paciente, de desperdício e uma serie de outras opções dadas aos alunos que são colocados direto dentro do hospital, não apenas em aulas expositivas. No RJ é mais difícil porque foi a capital do pais, é um estado em que parou no tempo, resistência por causa de uma visão de 1968, talvez a cidade mais difícil para vencer, mas tem tudo para concretizar o modelo.